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"Was there time for a rape or two? I suspect there was, but we shall never know because it's not something she talked about. All that can be said is that it was the end of language, the end of hope. It was the sort of thing that breaks people, breaks them utterly." (Junot Diaz, The Brief Wondrous Life of Oscar Wao. NY: Riverhead, 2007, 147)
As memórias daqueles dias são poucas. Aparecem como vislumbres e são difíceis de agarrar, como quando nos tentamos lembrar de um sonho. Há imagens mais claras do que outras, histórias mais bem delineadas. No entanto, resta sempre a dúvida se são reais ou fabricadas pela tentativa de reconstrução de algo que o cérebro tentou apagar. É curioso, como o cérebro funciona com a memória. Sem que lhe tenha pedido ou sequer autorizado, apagou anos de existência. Ao tentar recordar sinto-me angustiada por nunca saber se a recordação é real ou imaginada. Às vezes considero a possibilidade de me submeter à arte da psicanálise, na esperança de que alguém mais experiente seja capaz de pôr cobro à libertinagem do meu cérebro rebelde e extrapolar as verdades escondidas e as histórias por contar.
ReplyDeleteHá uma imagem bastante vívida na minha memória. Uma menina pequena, de caracóis rebeldes à beira da estrada, de mão dada com a mãe. Estão a pedir boleia, parece-me. O sol está a pôr-se e na estrada já só passa um carro de quando em quando, mas nunca pára. A menina, embora pequena, tem um ar feroz, decidido, forte. Faz parecer que é ela que está a tomar conta da mãe, é ela que lhe segura a mão e abre caminho. Depois de muito esperar, uma carrinha cinzenta abranda o passo e deixa-as entrar. Sentam-se num canto pouco seguro, lado a lado com caixas de mercadoria e cinco cachorrinhos sonolentos. Se é sonho ou memória, não consigo discernir.
Tirando esta e algumas outras, apenas fragmentos me invadem ocasionalmente. Muitas portas, sempre fechadas. Vidros coloridos rodeados de fumo. Um líquido cor de mel. Vozes masculinas várias, indistintas entre si. Uma vastidão de espaços em branco por preencher. Resta a dúvida: o que fazer com eles? Deixá-los estar, inquietantemente vazios? Iniciar uma demanda, à procura de respostas? Ou sentar-me ao computador, colorindo páginas em branco de imaginação que alimente o vazio da memória, descontruindo imagens em fragmentos e compondo-os como num quadro surrealista, cujo sentido começa e acaba em quem o cria, mas cuja beleza pode ser eterna.
Mariana Mouzinho
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ReplyDeleteEra uma casa vazia, por estes dias. Não que as pessoas tivessem desaparecido, mas agora pareciam-se mais com sombras, ou corpos sem alma que andavam por lá, sem nenhum motivo aparente, pois até o amor próprio tinha desparecido: almas penadas, que por algum motivo se mantinham vivas, como que à espera de uma salvação profética que acabasse com o sofrimento e lhes permitisse descansar em paz. É uma realidade pesada, esta - como uma acção física sofrida por uma pessoa, provoca a morte espiritual de todas aquelas que a rodeiam. Há dores tão intensas que esse sofrimento só é compensado pelo desejo de vingança... Mas vingar-se em quem? No governo? No militar que cometeu o crime? Todos eles parecem iguais nos seus uniformes...
ReplyDeleteO ser humano tem tanto de divino como de maléfico. Terá realmente existido alguma idade do Ouro, em que toda a gente vivia feliz, onde não havia guerra nem ganância?
Lembro-me dos tempos em que toda a gente nesta casa acordava alegre, de manhã, para tomar o café matinal em família antes de cada um ir "à sua vida". Nesses tempos o jardim estava repleto dos mais variados tipos de flores e a cerejeira todos os anos se enchia das cerejas mais redondas e encarnadas que alguma vez vi. Agora as ervas daninhas invadiram o quintal e a cerejeira secou, como um cancro que se espalha pelo corpo de uma pessoa, como a tristeza que se espalhou por aquela casa. Será que as coisas algumas vez voltarão a melhorar? Será que voltaremos a ver um sorriso no rosto daquelas pessoas, antes unidas e alegres?
Duvido... pois o ar que eles respiram é doloroso.